segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Uma lei que não ajuda as florestas de São Paulo



A única oportunidade de discussão pública do Projeto de Lei 219 é a audiência que será realizada nesta terça dia 25/11 às 10 horas, no Auditório Paulo Kobayashi na Assembléia Legislativa, em São Paulo

Por Roberto Resende*

Não é preciso lembrar da crise da água em São Paulo, nem da importância das florestas para a conservação dos recursos hídricos. Seja na regulação geral do clima seja nos efeitos mais locais de proteção dos mananciais é evidente a importância da vegetação no ciclo hidrológico. As matas ciliares não produzem água, mas ajudam a regularizar a vazão dos cursos d'agua atenuando os picos das enxurradas e liberando a água aos poucos no solo e evitando o assoreamento dos reservatórios.

Mas a relevância das florestas nem sempre parece evidente e óbvia. Um bom exemplo, é o projeto de lei que está em fase final de votação na Assembléia Legislativa de São Paulo para fazer o regulamente da aplicação do novo Código Florestal no Estado pode prejudicar muito a necessária recuperação das florestas, que tanta falta fazem agora.

Podemos destacar ao menos três pontos que significam um retrocesso nesta proposta:

1 - O cerrado também precisa ser protegido.
O PL prejudica fortemente a proteção legal do Cerrado, Bioma que cobre 12% do território paulista. O projeto apoia uma tese equivocada, em termos legais e ambientais, de que o Cerrado, o Pantanal e a Caatinga não eram protegidos pelo Código Florestal antes de 1989. Assim a recuperação das Reservas Legais desmatadas antes desta data ficariam anistiadas.

Sobre isso é importante lembrar que tanto o primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793, de 1934) quanto o segundo (Lei Federal 4771, de 1965) protegiam todas as formas de vegetação, incluindo o Cerrado. As duas versões anteriores do Código (e a atual) são claras em afirmar que elas se aplicam às florestas e às demais formas de vegetação.

2 – São Paulo não pode exportar florestas.
O PL libera a compensação de reservas legais que os imóveis rurais maiores devem fazer, podendo ser “exportadas” para qualquer região do Estado que tenha o mesmo Bioma (Mata Atlântica, já que, como alertamos, dispensa a recuperação no caso do Cerrado) e até mesmo fora do Estado.
A vegetação nativa do Estado é pouca e mal distribuída, concentrada no litoral. Dados do Instituto Florestal de São Paulo de 2009 indicam que diversas bacias hidrográficas de São Paulo têm poucas florestas.

Tabela 1 - Cobertura vegetal nativa por bacias de São Paulo, IF, 2009:


Bacia
%
Litoral Norte
88,6
Baixada Santista
76,7
Ribeira de Iguape/Litoral Sul
73,4
Mantiqueira
51,2
Alto Tietê
31,4
Paraíba do Sul
26,8
Alto Paranapanema
20,6
Tietê/Sorocaba
17,5
Pardo
13,6
Piracicaba/Capivari/Jundiaí
12,6
Mogi-Guaçu
11,0
Sapucaí/Grande
11,0
Tietê/Jacaré
9,6
Pontal do Paranapanema
8,5
Médio Paranapanema
8,1
Turvo/Grande
7,0
Tietê/Batalha
6,7
São José dos Dourados
6,6
Aguapeí
6,5
Peixe
6,5
Baixo Pardo/Grande
5,8
Baixo Tietê
5,7
Estado
17,5

Figura - Cobertura vegetal nativa por bacias de São Paulo, IF, 2009:


A lei não pode permitir, sem critérios, que as reservas devidas em regiões com poucas florestas sejam recuperadas fora, perpetuando o desequilíbrio da vegetação em São Paulo.

3 - As áreas de preservação também estão nas cidades e nas praias
O novo Código Florestal reafirma que as Áreas de Preservação Permanente (APPs) estão nas áreas rurais e urbanas. Na parte das disposições transitórias, que trata da regularizar as situações existentes, são previstas diretrizes para duas situações em áreas urbanas para a regularização fundiária de interesse social ou não.
O PL 219, apresentado como “em caráter específico e suplementar sobre o Programa de Regularização Ambiental – PRA das propriedades e imóveis rurais” traz em seu final alguns artigos não muito claros tratando das APPs em áreas urbanas. Isso parece redundante e contraditório com a proposta do Projeto, que seria tratar das áreas rurais. 

Além disso, o PL propõe criar o conceito de uso consolidado para restingas, o que não existe na lei federal.
A essas inconsistências vem se somar a celeridade do processo de análise do PL que está em ponto de votação, praticamente sem ter sido discutido.

O projeto Já passou pelas comissões, de forma bem rápida, com relator especial e com grandes chances de ser aprovado ainda este ano. 

*Engenheiro Agrônomo, Mestre em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP e Presidente da Iniciativa Verde.



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